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Este militante anti-cinzentista adverte que o blogue poderá conter textos ou imagens socialmente chocantes, pelo que a sua execução incomodará algumas mentalidades mais conservadoras ou sensíveis, não pretendendo pactuar com o padronizado, correndo o risco de se tornar de difícil assimilação e aceitação para alguns leitores! Se isso ocorrer, então estará a alcançar os seus objectivos, agitando consciências acomodadas, automatizadas, adormecidas... ou anestesiadas por fórmulas e conceitos preconcebidos. Embora parte dos seus artigos possam "condimenta-se" com alguma "gíria", não confundirá "liberdade com libertinagem de expressão" no principio de que "a nossa liberdade termina onde começa a dos outros".(K.Marx). Apresentará o conteúdo dos seus posts de modo satírico, irónico, sarcástico e por vezes corrosivo, ou profundo e reflexivo, pausadamente, daí o insistente uso de reticências, para que no termo das suas análises, os ciberleitores olhem o mundo de uma maneira um pouco diferente... e tendam a "deixá-lo um bocadinho melhor do que o encontraram" (B.Powell).Na coluna à esquerda, o ciberleitor encontrará uma lista de blogues a consultar, abrangendo distintas correntes político-partidárias ou sociais, o que não significará a conotação ou a "rotulagem" do Cidadão com alguma delas... mas somente o enriquecimento com a sua abertura e análise às diferenciadas ideias e opiniões, porquanto os mesmos abordam temas pertinentes, actuais e válidos para todos nós, dando especial atenção aos "nossos" blogues autóctones. Uma acutilância daqui, uma ironia dali e uma dica do além... Ligue o som e passe por bons e espirituosos momentos...

sábado, 26 de abril de 2014

A ALVORADA

A ALVORADA

Hoje mais do que nunca, é importante recordarmos e fazermos passar às novas gerações aquelas primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974, feitas de gente determinada, corajosa e com alguma dose de loucura... gente farta dum regime que nos era imposto!
Hoje, os impostos e as ditaduras são outras, baseadas nos senhores do capital, mas com a mesma linhagem e tal como a avestruz, nós cidadãos deste Portugal subjugado e vendido aos interesses económicos, vamos enterrando a cabeça no areal... 
Alfredo Cunha eternizou esses momentos de viragem com fotografias de que se apresentam aqui algumas réplicas remasterizadas cá pelo Cidadão abt.

“Era vermelho e fresco como um fruto da estação e posto numa lapela, fazia um figurão... tinha irmãos aos molhos, nascidos na mesma altura e,  juntinhos dentro d’água, pareciam uma pintura..
Uma pintura a aguarela, feita por mão amadora... em dia de Primavera, sem perder p’la demora...
A florista do bairro tinha os cravos guardados... para festas de noivado e também p’ra baptizados..
E esse cravo de Abril, de vermelho tão vivo, olhava o mundo em redor com o seu olhar altivo...
Mas era um cravo triste,  porque triste,  era o país, e a sua tristeza ia desde o caule à raiz...
Com o destino traçado, planos já não fazia, ia manter-se viçoso pelo menos mais um dia.
Depois, que é sina de cravo, começaria a murchar, morrendo devagarinho sob o tecto do luar...
capitão Salgueiro Maia
Mas nessa noite acordou ao ouvir na telefonia, uma música bonita que anunciava alegria...
Um cantor chamado Zeca dizia no seu refrão, que era tempo de amizade com um travo de emoção...
Militares da EPC emboscados no Terreiro do Paço telas 7h30m de 25 de Abril de 1974
E esse cravo de Abril ouviu marchas militares e viu sair soldados entre vivas e cantares...
E a dona Floripes, nessa loja de flores, disse aos cravos e às rosas: “vão chegar dias melhores”...
Militares da EPC na Ribeira das Naus, às 6h45min
Tinha um filho na guerra e outro, em Paris exilado, e sonhava com o dia de os ter de novo, lado a lado...
À espera da rendição no Largo do Carmo, pelas 18h do dia 25 de Abril de 1974
Esse dia estava perto, e ela bem o sabia, por isso limpou as lágrimas e colou-se à telefonia...
As notícias eram boas e fresquinhas como cravos, e a alegria nas praças custava poucos centavos.
Salgueiro Maia frente a um tanque M47 que entretanto aderiu às forças revoltosas
Os cravos eram baratos e toda a gente os queria, tinham a cor garrida da festa e da poesia...
E a D. Floripes recordou com comoção, as palavras de seu pai, numa carta da prisão...
Militares da EPC concentrados na Rua Áurea pelas 10h do dia 25 de Abril de 1974
Eram palavras sentidas, com o gosto da verdade, eram do pai a dizer-lhe quanto queria a liberdade...
Às 14h, tanque M47 dos revoltosos, na Calçada do Sacramento
Isso tinha acontecido quando ela era criança, mas esse tempo de dor, ficara-lhe na lembrança...
Chaimite Bafatá frente ao Terreiro do Paço, entre as 7h e as 7h45min
Quando o pai foi libertado, levou-a pela cidade, segredando-lhe ao ouvido: "hás-de ver a liberdade”...
Largo do Município pelas 9h do dia 25 de Abril de 1974
E a promessa cumpriu-se nessa manhã de Abril, ainda sem computadores nem novelas do Brasil...
Uma campainha soou, estava o telefone a tocar, era o filho de Paris a dizer que ia voltar...
À frente da sua loja vinha um tanque a passar, ela saiu do balcão e veio para a rua, acenar...
Mas vinha de mãos vazias e algo queria oferecer aos soldadinhos valentes que a faziam renascer...
Militares em posição de combate, no Largo do Município às 8h de 25 de Abril de 1974
Foi então pegar no cravo que estava ali a espreitar, e foi pô-lo na espingarda que trazia um militar...
Rua Garret às 14horas
O soldado agradeceu, com o rosto iluminado e levantou bem alto o cravo, no seu tanque engalanado...
Era um cravo de paz em arma de fazer a guerra, era a flor desejada p’ra enfeitar esta terra...
E a D. Floripes tomou uma decisão: abriu as portas da loja à festa da multidão...
E disse com um nó na voz: “fazem o favor de entrar pois eu tenho aqui fresquinhos, muitos cravos p’ra vos dar”...
Panhard no Terreiro do Paço, pelas 7h30m
O negócio não contava nesse dia sem ter par; deu cravos a toda a gente que ali via passar...
E sabia que esses cravos iam ter destino certo, nas armas e nas lapelas de quem passava ali perto...
Cada cravo era um instante da sua grande alegria, queria inundar Lisboa com cravos de poesia...
Chaimite posicionado no Arco da Rua Augusta
E o cravo desta história que aqui se conta rimada, foi símbolo da festa nascida de madrugada...
Lá passou de mão em mão entre o Carmo e o Rossio, era um cravo esvoaçante a espreitar ao fundo o rio...
Largo do Carmo pelas  18h40m. Manobras com a Chaimite Bula para a retirada de Marcelo Caetano. 
Saldanha, Restauradores, depois Marquês de Pombal, correu a cidade toda, numa volta triunfal...
Os soldados, os capitães da guerra já fatigados, trocavam balas por cravos, com os civis abraçados...
Rua Áurea, pelas 10h
E o cravo desse Abril lá ouviu de novo na telefonia a voz do Zeca, com uma nova melodia...
Era a nova melodia de um Portugal já mudado, “traz outro amigo também”, com um cravo engalanado...
E do cano da espingarda que era metralhadora, o cravo da nossa história foi p’rás mãos de uma senhora...
Largo do Carmo pelas 19h, com a saída de Marcelo Caetano
E daí passou depressa p'rá lapela de um estudante, que o deu a um operário que caminhava adiante...
E esse, por sua vez, foi dá-lo a uma menina que brincava às escondidas com a irmã pequenina...
EBR posicionada frente ao portão do quartel do Carmo, pelas 16h
E de tanto viajar de umas mãos para outras mãos, o nosso cravo de Abril fez dos amigos, irmãos...
Irmãos num sonho antigo vivido a muitas cores, e agora a guerra de África era batalha de flores...
Chaimite de reconhecimento na calçada da Ajuda, pelas 18h do dia 26 de Abril de 1974
Já não era a preto e branco, este país renascido, coloria-se em festa por tudo fazer sentido...
E o cravo desta história lá ficou d'atalaia, até chegar à lapela do capitão Salgueiro Maia...
Era o homem dos tanques que vinha de Santarém e fez render o terror que andava num vaivém...
O cravo de praça em praça foi tingindo de alegria, o rosto de uma cidade com asas de poesia...
Retrato apeado de Salazar, na sede da PIDE/ DGS, pelas 15h de 26 de Abril de 1974
Trouxe do mesmo molho outros cravos bem garridos, um por cada chaga de tantos anos sofridos...
Rua Áurea pelas 10h enquanto as forças revoltosas contêm a multidão que se vai reunindo
E a loja ficou vazia de cravos nessa manhã, que se encheu com aromas de alecrim e de romã...
E a D. Floripes foi à Praça da Ribeira encomendar muitas dúzias sempre à mesma vendedeira...
Na Rua do Arsenal pelas 10h, no momento em que blindados das forças revoltosas se depararam com uma barreira de blindados M47, afectos ao regime
 Queria alguns de reserva para entregar à chegada, aos filhos que iam voltar numa data anunciada...
Militares da EPC na Rua Áurea
Queria também alguns para pôr na sepultura do pai sempre lembrado com saudade e com ternura...
Terreiro do Paço pelas 10h como capitão Salgueiro Maia num M47 fiel ao regime, acabado de se render pacificamente e se juntar às forças revoltosas
Este dia festejado era o seu afinal chegado, com muito atraso às praças de Portugal...
Aspirante Sampaio posicionando a EBR no Largo do Carmo, às 16h
E o cravo desta história em vez de morrer cedo, durou ainda uns dias sem revelar o segredo...
Mas o segredo era só um e bem fácil de contar: a água que o conservava era da fonte do olhar...
Ribeira das Naus pelas 10h com manobras de reintegração e posicionamento dos M47 até então fiéis ao regime
E esse dia vinte e cinco, eterno no calendário, lá fez entrar na história, um cravo solitário...
Solitário mas cercado de irmãos muito fiéis, que entraram a seu lado nas paradas dos quartéis...
Manobras da chaimite Bula pelo Largo do Carmo às 18h50m
E esse cravo de Abril, de uma loja de Lisboa, lá passou de mão em mão como um notícia boa...
Cais das colunas pelas 9h frente à fragata F-743 que entretanto deixou de constituir ameaça para as forças revoltosas
Não murchou nas espingardas nem tão pouco nas lapelas e enfeitou os sorrisos das crianças às janelas...
Chaimite de reconhecimento comandada pelo tenente Santos Silva
E sendo cravo de Abril, no bico de um verde-gaio voou de praça em praça até ao Primeiro de Maio...
Ribeira das Naus pelas 10h, aquando das negociações para a rendição do major Pato Anselmo
Era uma vez um cravo nascido no mês mais puro, com pétalas de esperança e perfume de futuro..
Ribeira das Naus pelas 10h aquando da rendição do major Pato Anselmo
E uma pétala que eu guardo dentro de um livro antigo, é a lembrança viva desse tempo tão amigo...
Ribeira das Naus pelas 10h30, nos momentos cruciais da rendição do major Pato Anselmo
Amigo das coisas boas, dos sonhos com vozes de ouro, das estrelas que amanhecem com um brilho de tesouro...
Largo do Município pelas 8h45 do dia 25 de Abril de 1974
E a D. Floripes que deu cravos na cidade, ainda chora se lhe lembram o Dia da Liberdade...
O cravo murchou, morreu...  porque um cravo não se ilude e sabe que é só exemplo para acordar a juventude...
Terreiro do Paço pelas 8h30m quando à civil e encostado à chaimite,  o tenente Nelson Santos, comandante do corpo de Alunos da Academia Militar vigiava atentamente os movimentos no Ministério do Exército
E esse cravo de Abril renasce todos os anos, com o aroma dos afectos para fazer novos planos...
E no fundo p’ra nos lembrar que Abril não acabou pois não é só uma data... mas o futuro que começou...
No Cais das Colunas quando pelas 7h3om  uma EBR apontava a boca de fogo na direcção ao Cais do Sodré
O que trago na lapela é filho de um outro cravo que no peito de um soldado, foi de todos o mais bravo...
Junto ao Ministério do Exército pelas 9h de 25 de Abril de 1974, quando um graduado da PSP se dispõe às ordens de Salgueiro Maia.
E neste álbum antigo, na velha fotografia, é a flor que soletra o nome da poesia...
Retrato apeado de Marcelo Caetano, no gabinete de Silva Pais
Era uma vez um cravo numa história sem idade, e eu, ao lembrá-lo em verso, escrevo sempre, Liberdade...

José Jorge Letria

sábado, 12 de abril de 2014